Nos últimos dias temos acompanhado uma grande tragédia em nosso país. O rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho, Minas Gerais trouxe muito sofrimento para todos os envolvidos de forma direta e indireta ao acidente.
Quando uma experiência de natureza excepcionalmente ameaçadora e catastrófica ocorre, como o desastre natural, as sequelas são imensas. As perdas físicas e emocionais são incalculáveis. Não se passa impune por uma situação destas.
Pessoas perdem membros da família e amigos, perdem suas casas, seus bens, sua identidade. A comunidade perde sua esperança, sua segurança e sua paz. Socorristas, bombeiros, médicos, psicólogos, voluntários, repórteres, generosamente oferecem seus esforços e seus trabalhos buscando minimizar o sofrimento de tantos e também sofrem com a pressão, a importância, com o desgaste físico e emocional.
Essa situação é potencialmente traumatizante. De acordo com pré-disposições genéticas, resiliência, maturidade física e emocional, continência e experiências anteriores de cada um, essas memórias serão mais ou menos digeridas e arquivadas em sua biografia. Os registros dessas memórias passam a interferir direta ou indiretamente na vida de todos os envolvidos através de comportamentos e atitudes. O Trauma limita e empobrece a qualidade de relacionamentos, interferindo potencialmente no bem-estar e na saúde emocional.
Como a situação traumática ficará registrada na memória do indivíduo, vai depender do tipo de trauma a que foi submetido, da intensidade e da valorização da ameaça para aquela pessoa. Terá peso também a sua saúde emocional, ou seja, sua capacidade para superar o ocorrido. Por esse motivo algumas situações podem ser altamente traumatizantes para alguns e mais facilmente superáveis para outros. Algumas pessoas podem desenvolver o TEPT (transtorno de Estresse pós- traumático).
“Um em cada quatro veteranos de guerra norte-americanos sofre de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), com medos e lembranças intensas de uma situação de perigo que enfrentou. Joseph Boscarino, da Academia de Medicina de Nova York, avaliou a saúde de 18 mil veteranos do Vietnã e verificou que a probabilidade de morrer por causa de acidentes ou pelo uso abusivo de drogas é maior entre os que desenvolveram TEPT em decorrência da guerra.” (FAPESP, edição 116, Outubro de 2005)”.
A situação vivenciada pode ser registrada na memória em forma de imagens, podendo causar pensamentos intrusivos e obsessivos ou mesmo pesadelos, ou pode ser registrada como sensações sem nenhuma ligação imediata ou direta à situação na qual a pessoa foi submetida. Sintomas recorrentes mais relatados são os transtornos ansiosos, fobias, Síndrome do Pânico, transtornos alimentares, abuso de álcool e drogas, dificuldades respiratórias entre outros. Às vezes os sintomas demoram a se manifestar.
A possibilidade de incapacitação de uma pessoa que sofreu uma situação traumática depende da intensidade da agressão a que foi submetida somada à sua vulnerabilidade emocional. Uma pessoa vítima de um sequestro, por exemplo, pode vir a desenvolver um quadro de síndrome do pânico que pode impossibilitá-la de retomar as suas atividades normais, desde trabalhar ou até mesmo simplesmente sair de casa.
Tratamento e resultados
Existem várias formas de tratamento. Os mais indicados são os acompanhamentos psicológicos. Dependendo do caso, às vezes é necessário a avaliação psiquiátrica e o acompanhamento medicamentoso.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) e a American Psychiatric Association (www.emdr.com) recomenda o Eye Movement Desensitization and Reprocessing – EMDR, como um dos principais métodos da atualidade para o tratamento de situações traumáticas. Criado por uma psicóloga americana, Ph. D, Dra. Francine Shapiro, no final dos anos 80, na Califórnia, o EMDR trabalha a dessensibilização e reprocessamento de experiências emocionalmente traumáticas por meio de estimulação bilateral dos hemisférios cerebrais. Baseado em neurociência, o EMDR reativa o sistema de processamento da memória. É uma psicoterapia baseada na memória e no cérebro. Este foi idealizado como psicoterapia breve e focal e, por isso, os resultados clínicos são obtidos com rapidez.
A estimulação bilateral, que pode ser ocular, auditiva ou tátil, ativa o sistema nervoso parassimpático, auxiliando o indivíduo a dessensibilizar e integrar rapidamente a memória perturbadora. Este resultado permite o reprocessamento do problema decorrente da reativação das regiões cognitivas do paciente. Perde-se, assim, a carga negativa associada à situação. Muitas pessoas têm a sensação de que a lembrança fica mais distante. Torna-se finalmente parte do passado, não incomodando mais quando se recordam dela. Pacientes relatam que os flashbacks e os pensamentos intrusivos com memórias do evento desaparecem, a qualidade do sono melhora e vários sintomas físicos esvanecem.
O processamento acelerado da memória traumática, propiciado pelo EMDR é feito de forma consciente e particular, não sendo utilizada a hipnose. Esse processamento ocorre no nível biofisiológico.
Naturalmente, todos nós processamos as experiências do dia durante as etapas do sono REM. Em situações normais, o cérebro “revisa” as experiências do dia, processa e arquiva as lembranças no seu enorme banco de dados cerebrais. No entanto, quando temos alguma experiência emocionalmente traumática, o cérebro não consegue elaborar o evento e o incidente torna-se presentificado como uma espécie de “nó neurológico”. Com o EMDR, o cérebro é ajudado a processar o fato e a arquivá-lo.
Em que momento é indicado iniciar o tratamento com EMDR:
Num primeiro momento o acolhimento das famílias é o mais importante. Os cuidados básicos de saúde, alimentação, atenção, respeito, carinho e compaixão são cruciais para superar esse momento de sofrimento e dor.
Após, em média três meses do ocorrido, as memórias já podem ser reprocessadas através do EMDR. O trabalho pode ser feito em grupo e individualmente pela equipe de ajuda humanitária através de protocolos específicos. O tempo de início do trabalho é relativo e acompanha a necessidade de cada indivíduo de acordo com a presença de comportamentos e sintomas físicos e emocionais. È muito importante que o trabalho de ajuda às vítimas, cuidadores e à comunidade seja feito por profissionais devidamente treinados e capacitados para essa função.
No Brasil temos cerca de dois mil profissionais de EMDR atuando em clínicas, hospitais e em vários outros setores.
A Associação Brasileira de EMDR possui profissionais com mais de 10 anos de experiência no trabalho de ajuda humanitária. Temos uma Rede Solidária que capacita profissionais psicoterapeutas EMDR para atuar nessas situações de catástrofes e desastres naturais.
A Associação, através de sua Rede Solidária, entrou em contato com o CRP de Minas Gerais, com a companhia Vale e com as autoridades competentes e colocou-se à disposição para ajudar no que for necessário.
Para saber mais entre no site da Associação Brasileira de EMDR www.emdr.org.br
Sirley Bittu
Psicóloga Especialista Clínica
Psicoterapeuta, supervisora e Facilitadora EMDR (EMDR Institute/USA , Associação Brasileira de EMDR, EMDRIA e EMDR Ibero américa.
Vice-Presidente da Associação Brasileira de EMDR
Psicodramatista Didata e Supervisora pela FEBRAP.
Direitos Autorais deste texto – Dra. Sirley Santos Bittu.
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